Por Maria Júlia Sette
(mjuliasette@hotmail.com)
(mjuliasette@hotmail.com)
Brincadeiras de roda, desenhos, aulas, leituras, pausas e canções foram
elementos que marcaram a rotina de quem participou do Curso Recife de
Fundamentação em Pedagogia Waldorf, no início de outubro, no bairro do
Rosarinho. Oito dias de imersão. Os corpos saltitavam, as bocas, das mais
diversas idades, cantavam canções do imaginário infantil e os ouvidos atentos
ao contexto histórico em que nasceu esta pedagogia, que de acordo com a docente
e coordenadora do citado curso, em Recife e no Brasil, Kátia Galdi, segue na
contramão do que se estimula na sociedade contemporânea.
Idealizada pelo austríaco Rudolf Steiner, a Pedagogia Waldorf nasceu na
Alemanha, em 1919, após a 1ª guerra mundial, e começou a ser aplicada no Brasil
desde 1956. O desenvolvimento integral da criança e do jovem é um dos motes
principais do ensino Waldorf. Como mãe, jornalista e colaboradora do Portal
Flores no Ar, mas principalmente como ser humano, tive a oportunidade de cursar
o primeiro módulo da formação. Numa pequena brecha, conversei com Kátia Galdi
sobre alguns aspectos desta pedagogia. Confira na entrevista a seguir!
A Pedagogia Waldorf foi apontada pela UNESCO como sendo o modelo de
pedagogia capaz de responder aos desafios educacionais de nosso tempo. Na sua
visão, quais são os principais aspectos da pedagogia que justificam esse
reconhecimento da Unesco?
O principal aspecto é que a pedagogia é evidentemente humana, tem um
aspecto fundamentalmente humano. E pelo teor das relações sociais passar pelo
conhecimento humano do Ser, ela se torna, então, uma pedagogia voltada para a
paz. Por isso que a UNESCO reconheceu esse elemento tão grandioso e
fortalecedor, num mundo onde se busca hoje, mais do que nunca, a necessidade de
fazer a paz ser sentida pelos povos.
Durante o curso, percebi que as atividades eram intercaladas entre
momentos onde mexíamos o corpo e brincávamos, e outros mais quietos,
concentrados. Essa forma ritmada de viver as atividades é um dos princípios da
Pedagogia Waldorf?
Sim. Entendemos na Pedagogia Waldorf que o ritmo conduz a vida do ser
humano como um reflexo do que acontece na natureza. E a natureza segue uma
ordem rítmica que também corresponde a uma ordem cósmica. O ser humano, como
criatura que é, corresponde a uma ordem rítmica naturalmente. Precisamos cultivar
e sustentar este ritmo, pois temos a capacidade de pensar, temos o livre
arbítrio.
Quando existe um componente de compreensão que faz com que as atividades
do dia a dia se tornem uma repetição daquilo que vive no organismo, o ritmo se
torna absolutamente vitalizante para a criança e para todo ser humano. Não de
forma mecânica, inconsciente, mas com a consciência de que o ponto central e
vital do ser humano basicamente corresponde ao sistema cardiorrespiratório.
Quando encontramos um eixo para respirar melhor, conseguimos desenvolver nosso
organismo e evidentemente a nossa consciência. E na vida da criança quando isso
se repete faz com que o seu organismo combine com o que está acontecendo lá
fora, isso é uma maneira de tornar a vida mais saudável.
E de que forma esse ritmo é vivenciado nas escolas Waldorf?
Por exemplo, no inicio da manhã há um bom dia, que difere o formato do
jardim para o grau (ensino fundamental), mas que, em ambos, pode haver música,
canto e versos que são lidos. Na criança pequena, há o desenho, momento para
fazer o pão, a aquarela, contato com brinquedos feitos com elementos naturais.
As atividades compõem um ritmo, entre um pulsar, momento que contrai e que se
expande. Então nas diferentes fases da criança, as aulas de matéria, de
desenho, o brincar livre, as músicas, as histórias contadas, acontecem de forma
rítmica. Há momentos que o pensar, o sentir e o fazer estão mais contraídos,
depois mais expandidos nas atividades vivenciadas. Então há contração e há
expansão de maneira muito consequente.
Como a teoria dos setênios, que divide a vida humana em ciclos de sete
anos, é abordada na Pedagogia Waldorf?
A Pedagogia Waldorf compreende que é preciso olhar os fenômenos que
vivem no ser humano no geral. Mas percebe que a cada sete anos há um fenômeno
significativo de mudança. Os primeiros sete anos, a mudança para o segundo
setênio (7 a 14 anos), para o terceiro (14 a 21 anos) e assim por diante.
No primeiro setênio, no jardim da infância, por meio do trabalho que o
professor realiza, deve-se possibilitar o despertar contínuo da imitação.
Imitação a mais saudável possível, imitar gestos, imitar falas com pleno
sentido do que se deve viver no mundo. No segundo setênio, a autoridade do
professor deve proporcionar o despertar de uma veneração pelo mundo natural.
Isso acontece quando a criança percebe a relação entre ela e a natureza. A
presença da natureza na sala de aula não se faz meramente por que o elemento
natural está lá. Mas também pela linguagem que professor vai usar, baseada em
um repertório que espelha a relação desse professor com o mundo sensorial, com
o mundo da natureza. Na medida em que essa autoridade manifesta pelo professor
condiz com a verdade que existe dentro, ou seja, que há uma coerência entre o
que existe dentro e fora do professor, isso se faz muito presente na sala de
aula, não só porque ele vive essa relação com a natureza, mas porque ele leva
isso para as crianças. Então a autoridade dele despertará essa veneração pelo
mundo natural.
O terceiro setênio desperta no jovem uma tarefa a ser realizada lá fora.
Quando o jovem olha para uma sociedade que sofre desajustes e vê não só a
verdade de que há problemas, mas sente a verdade que está nele, que ele se
edificou como ser humano, então o jovem entende que tem uma tarefa muito grande
em colaborar com o ajuste desse mundo. Ele vai colaborar e não salvar o mundo
sozinho. Essa é atarefa social do jovem no terceiro setênio. O despertar da
responsabilidade leva a um trabalho social.
A escola Waldorf do Recife, que completou recentemente 14 anos, divulgou
um selo com a seguinte mensagem. “Dois setênios fazendo uma escola à mão”.
Quais os principais desafios de valorizar trabalhos manuais, em uma era onde a
tecnologia espalha-se por todos os cantos?
O maior desafio é que o professor tenha a certeza de que ele pode fazer
também. Importa o quanto ele, como professor de uma escola Waldorf,
independente de suas habilidades, tenha a compreensão de que uma atividade
manual ajuda a criança e o jovem a se edificar.
Se a tecnologia vem massacrar todos esses movimentos naturais e
primordiais do ser humano, o trabalho manual vem reconstruir, historicamente
falando. A Pedagogia Waldorf desenvolve trabalhos manuais porque acredita que
os trabalhos feitos com as mãos levam para fora o impulso do coração.Então
quando a criança vai fazer ponto cruz, tricô, marcenaria, aquarela e todas as
atividades de cunho artístico, feitas à mão, ela deve sentir o prazer e a
alegria de colocar pra fora dela o que tem de mais bonito no formato do
trabalho realizado.
O desafio é que o professor possa, como escola, garantir que
independente das diferenças entre as famílias, se a tecnologia faz parte da
realidade da família, ou não, que isso fique de fora da escola e as famílias
venham colaborar de forma espontânea, em trabalhos de bazar, por exemplo. O
desafio é grande, justamente por estar indo contra a correnteza da sociedade
contemporânea que valoriza demais a tecnologia.
Você poderia comentar a expressão “A pedagogia cura e a medicina educa”:
O professor Waldorf é alguém potencialmente interessado no mundo
imaginativo, desperta nele um amor profundo pelas crianças e pela natureza. Por
isso ele acompanha os anos na escola, aqui no Recife, até o quinto ano (ensino
fundamental), e no jardim onde se fica um período longo com o mesmo professor.
Isso possibilita que o professor desenvolva uma observação que a gente pode
chamar de fenomenológica do que vive, do que está vivendo naquela criança, do
que ela trás e como ela se mostra hoje. Essa observação ele compartilha com os
colegas. A partir disso entendemos que além do ritmo diário que a escola
realiza e já é sanador por si, quando o professor percebe todos os desajustes
que há na sociedade de hoje, do qual ele também faz parte, e se volta o trabalho
de maneira muito consequente em sala de aula ele está ajudando a curar
determinadas doenças sociais que a sociedade contemporânea criou e continua
criando. Como ele faz isso? Através primeiro do que é básico, o próprio ritmo e
do ensino que é divido em épocas na escola, no caso do grau. No caso do jardim
da infância, não possibilitando que a criança seja alfabetizada antes de haver
uma maturidade física e inclusive neurológica, isso já é uma maneira de atuar
contrariamente ao que está aí na sociedade. O ritmo cura, é sanador, e quando
os desajustes de fora aparecem no comportamento das crianças o professor
realiza essa observação devagar e encontra medidas pedagógicas para poder atuar
junto da criança para que ela devagar venha se transformar.
São atitudes pedagógicas das mais diversas, desde a observação
individual que num trabalho de grupo você possa atender a demandas individuais
e respeitar o ritmo mais lento de uma criança em relação à classe absolutamente
rápida, entre outras.
No que diz respeito
à medicina, o Rudolf Steiner quando citou isso, ele tinha muito claro que a
atuação do médico não é uma atuação da qual ele mantém um contato com seu
paciente com a mesma frequência e assiduidade que o professor. O médico orienta
de forma educativa. Já o professor acompanha, desenvolve uma observação dia
após dia. De forma que pode fazer com que se processe um caminho de cura junto
da criança.
Disponível
em: http://portalfloresnoar.com/floresnoar/na-pedagogia-waldorf-o-ritmo-conduz-a-vida-do-ser-humano-confira-entrevista-com-katia-galdi/